quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A cadeia da carne bovina no Brasil

A cadeia da carne bovina no Brasil
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A carne bovina é um dos itens mais importantes da dieta alimentar da população brasileira e apresenta um dos maiores potenciais de crescimento. Este último fato depende, num primeiro momento, da melhora do poder de compra dos consumidores brasileiros e da capacidade de a cadeia de produção se adequar ao aumento do consumo. A produção dos animais e a indústria estão passando por um processo de evolução que se tornou quase uma questão de sobrevivência para toda a cadeia produtiva. Com a queda nas taxas de inflação, as ocilações dos preços dentro da cadeia ganharam muito destaque, pois todos os participantes da atividade estavam acostumados com elevadas variações de preços no decorrer do ano e, dessa forma, conseguiam obter ganhos consideráveis.

O consumo de carne bovina no Brasil segue as disparidades da renda existentes no País. O grupo de pessoas de renda elevada tem taxas de consumo semelhantes às dos maiores consumidores mundiais, mais de 50 kg/hab./ano, enquanto as camadas de baixa renda têm consumo de terceiro mundo, com menos de 10 kg/hab./ano. A disponibilidade interna situa-se em torno de 34 kg/hab./ ano. O crescimento do mercado interno passa obrigatoriamente pela melhoria da renda, ou pelo fornecimento de produtos por preços menores. O outro mercado da carne brasileira é o externo, e este depende de qualidade e preços.

A relativa estabilidade econômica afeta sensivelmente as estruturas de produção. Os produtores têm que se preocupar em produzir animais num prazo mais curto e com custo mais reduzido, pois não é mais possível obter ganhos com as grandes variações de preços no decorrer do ano. Essa adaptação envolve mudanças profundas na forma de produção e mesmo uma seleção dos produtores, uma vez que cerca de 75% das propriedades brasileiras têm, na atividade pecuária, uma fonte de receita. No entanto, as propriedades não têm sistemas de podução homogêneos. Existem grupos eficientes, que produzem com baixos custos e são competitivos, e, ao mesmo tempo, existem grupos de produtores que não têm a mínima noção dos custos de produção, e, portanto, não sabem dizer se são eficientes ou não. Neste último grupo estão os produtores que podem vir a deixar a atividade, nos próximos anos.

Os frigoríficos vivem momentos difíceis, as margens dos produtos estão cada vez mais apertadas, e com isso os pontos fracos da indústria começam a ficar mais expostos. O processo de nacionalização, iniciado no anos 70, e o de crescimento da capacidade, nos anos seguintes, foram feitos de maneira pouco organizada. No Estado de São Paulo, a indústria cresceu cerca de 245% entre o início da década de 70 e os dias atuais. Além disso, ela se deslocou integralmente para o interior do Estado. O processo de interiorização foi intenso também na Região Centro-Oeste do Brasil. O crescimento desordenado gerou um novo problema para o setor: a elevada capacidade ociosa. Em Mato Grosso do Sul, ela está em torno de 25%, na média, e entre as várias regiões do estado a situação é mais complicada, havendo casos de números superiores a 30% e falta de frigoríficos. Em Goiás a osciosidade média chega a 28%. Nos estados tradicionais, como o Rio Grande do Sul, a situação também é complicada, com ociosidade superior a 65%. A necessidade de manter as empresas em funcionamento, os precários controles administrativos e a complexa situção fiscal são os componentes que fazem do setor um dos mais complicados do País.

As empresas adquirem os animais, sem saber se terão mercado para a carne, e como se trata de um produto altamente perecível, elas são forçadas a colocar a carne no mercado com margens brutas muito pequenas, inferiores a 10%. Dessa forma, são poucas as condições de manter as estruturas em funcionamento. O problema fiscal é muito sério, uma vez que afasta da atividade as empresas de capital aberto e dificulta a sua contabilidade. As margens apertadas fazem com que as empresas operem dentro de limites pouco recomendáveis em relação aos impostos. Dessa forma, torna-se real a triste afirmação de que o setor depende da sonegação para se manter vivo. A administração fica amarrada nessas questões e distante das estratégias de longo prazo.

A criação de animais com a finalidade de produzir carne tem evoluído, movida pela força das modificações no ambiente macroeconômico do País. A sobrevivência dentro da atividade depende de se saber quanto custa produzir e onde estão os obstáculos para produzir com custos menores. Na realidade atual, os produtores têm que se acostumar com a nova opção disponível aos consumidores, que é a carne de frango, para os consumidores de baixa renda, e com a concorrência de carnes de alta qualidade, importadas, para as camadas de alto poder aquisitivo.

Em síntese, a indústria tem as suas dificuldades vinculadas, principalmente, ao aspecto fiscal, cuja solução é complexa, na medida em que a arrecadação de impostos sobre a carne é mais importante para alguns estados do que para outros. A solução dos problemas fiscais deve trazer consigo novos investidores, com projetos de investimentos de longo prazo, e melhores condições de oferecer mais ao mercado interno, tornando-o mais competitivo em relação ao mercado internacional.


(*) Professor da Esalq/USP; e-mail:gscbarro@pacu.esalq.usp.br

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