segunda-feira, 19 de julho de 2010

Raças

Raças

Estratégias de Utilização de Recursos Genéticos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte

A produção animal pode ser considerada como o resultado da utilização dos recursos genéticos (raças, tipos, etc.), dos recursos ambientais e socioeconômicos disponíveis numa região ou país, das práticas de manejo adotadas e das possíveis interações entre esses componentes.

Há várias maneiras de combinar os elementos dos componentes entre si, o que resulta em grande número de possíveis sistemas de produção. Em geral, os sistemas de produção mais eficientes são aqueles que otimizam os recursos genéticos, ambientais e socioeconômicos e as práticas de manejo em todos os componentes do ciclo produtivo da carne bovina (reprodução - aumento em número; produção - aumento em tamanho; e produto - aumento na qualidade).

No mundo, há aproximadamente mil raças de bovinos, das quais duzentos e cinqüenta têm alguma importância numérica. No Brasil, há cerca de 60 raças que podem ser exploradas para produção comercial de carne bovina.

As diferenças entre as raças quanto às características morfológicas, fisiológicas e zootécnicas podem ser atribuídas às diferentes pressões e direções da seleção às quais elas foram submetidas durante o processo evolutivo. Desse modo, cada raça é dotada de composição genética diferente, principalmente para as características relativas ao tipo racial (cor da pelagem, presença ou ausência de chifres, conformação do perfil da fronte, tamanho da orelha, etc.) e, provavelmente, para os atributos relacionados com a habilidade de adaptação ao ambiente (adaptabilidade).

A diversidade genética existente entre as raças bovinas pode ser utilizada de três maneiras:
1) criação ou introdução da raça pura melhor adaptada ao sistema de produção;
2) formação de novas raças; e
3) utilização de sistemas de cruzamento. As duas primeiras podem ser praticadas por meio da realização de cruzamentos por apenas algumas gerações, uma vez que o objetivo final é a introdução de raça pura melhor adaptada ou a formação de nova raça (futuramente, uma raça pura).

A utilização de sistemas de cruzamento, por outro lado, é uma forma de aproveitamento da diversidade genética e dos ganhos genéticos obtidos nos programas de melhoramento das raças puras de maneira permanente e contínua, sem a preocupação de obter uma nova raça ou introduzir uma raça pura no sistema de produção.

As estratégias de utilização dos recursos genéticos envolvem diferentes alternativas de seleção. A seleção dentro de raças puras é feita com base no modelo aditivo simples quanto ao tipo de ação gênica. Na prática, a seleção de raças puras geralmente produz ganhos genéticos próximos daqueles previstos teoricamente.

A utilização de cruzamentos, por outro lado, é considerada como alternativa à seleção. No entanto, precisa ser ressaltado que as alternativas de seleção e de cruzamentos não são mutuamente exclusivas. Qualquer sistema de cruzamentos ou esquema de formação de novas raças depende dos programas de seleção das raças puras utilizadas no processo.

O programa de melhoramento animal pode ser sistematizado em 10 passos seqüenciais:
1) descrição do sistema de produção;
2) estabelecimento do objetivo do sistema de produção;
3) escolha da estratégia de utilização e dos recursos genéticos;
4) obtenção de parâmetros de seleção (herdabilidade, correlações) e pesos econômicos relativos;
5) delineamento do sistema de avaliação;
6) desenvolvimento dos critérios de seleção;
7) delineamento do sistema de acasalamentos;
8) delineamento do sistema de multiplicação dos animais selecionados;
9) comparação de alternativas de programas de melhoramento; e
10) revisão do programa com base nas modificações futuras e, se for o caso, na segmentação do sistema de produção de carne bovina.

Qualquer que seja a estratégia a ser escolhida, um aspecto fundamental na utilização dos recursos genéticos e ambientais para a produção de bovinos de corte é a visão do sistema de produção como um todo, isto é, da concepção do bezerro até o consumo da carne.

A eficiência de qualquer sistema de produção, por sua vez, é função de três componentes:
1) eficiência reprodutiva do rebanho de vacas;
2) eficiência do ganho de peso dos animais jovens; e
3) qualidade do produto.
A avaliação de apenas um ou dois componentes pode conduzir a recomendações discutíveis, particularmente quanto à eficiência econômica do sistema de produção.

Valores econômicos relativos dos três componentes da eficiência produtiva em bovinos de corte são mostrados na Tabela 4.1, considerando-se cinco situações diferentes. Os valores econômicos relativos mostram a importância de cada componente da eficiência no ciclo produtivo de bovinos de corte.



Tabela 4.1. Valores econômicos relativos (%) dos componentes da eficiência produtiva em bovinos de corte em diferentes países.
País (Ano)
Reprodução
Produção
Produto
Estados Unidos (1971)
87,0
8,7
4,3
Estados Unidos (1983)
76,9
15,4
7,7
Brasil (1992)
64,8
35,0
0,2
Estados Unidos (1992)
50,0
33,3
16,7
Austrália (1994)
66,7
22,2
11,1
Estados Unidos (1994)
66,6
16,7
16,7
Estados Unidos (1994)
66,7
33,3
-
Estados Unidos (1994)
22,2
66,7
11,1
Estados Unidos (1994)
77,8
11,1
11,1
Brasil (2001)
79,4
20,6
-
Brasil (2002)
69,0
31,0
-
As características relacionadas à eficiência reprodutiva (aumento em número de animais) são de importância fundamental em qualquer situação (Tabela 4.1). O aumento da eficiência reprodutiva (taxa de desmama, por exemplo) é de 2 a 10 vezes mais importante do que o aumento no componente de produção (ganho de peso, por exemplo).

Embora possa parecer óbvio, é necessário enfatizar que as características de produção não têm importância para o produtor de bovinos de corte se não há bezerros vivos, sadios, produzidos no rebanho, cujas mães fiquem prenhes na estação de monta seguinte. O aumento do ganho de peso e o melhoramento da qualidade de carcaça são características inúteis sem um bezerro vivo, já que elas simplesmente não se realizam.

O aumento da eficiência reprodutiva é muito mais importante (10 a 20 vezes) do que o melhoramento da qualidade do produto, para os sistemas de produção dos Estados Unidos (Tabela 4.1). No Brasil, essa relação é maior do que 300 vezes para os sistemas de produção de bovinos de corte em regime exclusivo de pastagens, o que evidencia a importância do melhoramento da eficiência reprodutiva dos rebanhos brasileiros.

As características de produção (aumento em tamanho), por sua vez, são duas vezes mais importantes do que as características relacionadas com a qualidade do produto nos sistemas integrados de produção de carne bovina dos Estados Unidos (Tabela 4.1). No sistema de produção predominante no Brasil (extensivo e em pastagens), no entanto, as características de produção, principalmente o ganho de peso após a desmama, têm valor econômico relativo 175 vezes maior do que aquelas relacionadas com a qualidade do produto. Isto faz com que o aumento do ganho de peso após a desmama seja o principal fator de contribuição para a redução da idade de abate dos animais, com efeitos indiretos na qualidade do produto.

Outro aspecto importante dos sistemas de produção de bovinos de corte refere-se ao fato de diferentes animais desempenharem funções diferentes no ciclo da produção. A menor unidade de produção é composta por três categorias de animais: vaca, touro e bezerro. Na Tabela 4.2 estão relacionadas as características de maior importância e as especificações desejáveis de cada um dos componentes da unidade de produção.

As características desejáveis nos três componentes da unidade de produção (sinais iguais ou neutralidade) são fertilidade alta, adaptação ao ambiente, longevidade, saúde e docilidade (Tabela 4.2). A ocorrência de sinais diferentes indica a existência de antagonismos entre tamanho pequeno (desejável nas vacas e indesejável nos bezerros) e ganho de peso elevado (desejável nos animais de abate, indesejável nas vacas). Esses antagonismos são, em geral, resultantes da correlação genética negativa e desfavorável entre tamanho à maturidade e grau de maturidade numa determinada idade.


Tabela 4.2. Características de bovinos de corte e sua importância nos componentes da unidade de produção.
Características
Importância *
Vacas
Touros
Bezerros
Fertilidade alta
+
+
0
Tamanho pequeno
+
0
-
Puberdade precoce
+
+
+
Adaptação ao ambiente
+
+
+
Longevidade
+
+
0
Saúde e docilidade
+
+
+
Ganho de peso alto
-
0
+
Carcaça musculosa, carne magra
0
0
+
Rendimento de carcaça
0
0
+
Carne macia, palatável
0
0
+

* (+) = desejável; (0) = neutra; (-) = indesejável.

Um terceiro aspecto a ser considerado na avaliação das estratégias de utilização dos recursos genéticos é o possível antagonismo entre os objetivos econômicos das fases de reprodução (aumento em número) e produção (aumento em tamanho) nos sistemas de produção de bovinos de corte. Em geral, os custos fixos são atribuídos por animal, independentemente do seu tamanho. Além disso, o aumento em número (maior eficiência reprodutiva) provoca redução nos preços de venda por animal. A médio e longo prazos, os ciclos de preços da carne bovina são, pelo menos em parte, reflexo desse tipo de antagonismo.

Por último, mas nem por isso menos importante, há os antagonismos de natureza genética entre as características de produção (pesos, ganhos de peso) e de reprodução (intervalo de partos, taxa de concepção) em bovinos de corte. Para as condições brasileiras, foram obtidos resultados que indicaram a existência de antagonismo genético entre peso à desmama e eficiência reprodutiva de fêmeas da raça Canchim, criadas em regime de pastagens. Resultados semelhantes têm sido obtidos em outros países e outras raças de bovinos de corte. Com algumas exceções, o tamanho maior à maturidade parece não ser desejável em bovinos de corte. Este tipo de conclusão depende, obviamente, das condições ambientais em que os animais são produzidos.

É importante ressaltar que o objetivo principal da produção animal, seja ela praticada de forma extensiva ou intensiva, é atender as exigências de mercado. É difícil predizer o futuro, porque uma amplitude de cenários diferentes pode ocorrer. No entanto, esses cenários possíveis podem servir como indicação do tipo de animal que será demandado no futuro.
Neste sentido, dois aspectos são importantes:
1) manutenção (ou mesmo aumento) da variabilidade disponível em bovinos de corte; e
2) aumento na flexibilidade para praticar mudanças no tipo de animal em resposta às mudanças nas exigências de produção e de mercado.

A produção de carne bovina no Brasil é praticada de forma extensiva. Na maioria das regiões produtoras predomina o sistema de cria, recria e engorda, em regime exclusivo de pastagens e com práticas de manejo inadequadas. A intensificação dos sistemas de produção ainda é incipiente no País, mas um cenário possível, a médio prazo, é que as fases de cria e recria sejam praticadas em pastagens de melhor qualidade e melhor manejadas e que a fase de engorda seja feita em regime de confinamento ou semiconfinamento, visando à redução da idade de abate dos animais e à produção de carne de melhor qualidade.

Na Figura 4.1 são ilustradas as relações entre as alternativas possíveis envolvendo seleção, cruzamentos e formação de novas raças em bovinos de corte. O ponto de partida considerado foi a utilização de uma "raça exótica" em cruzamento com fêmeas da população local. Assim, a estratégia colocada em discussão é a utilização de cruzamentos para intensificação da produção de carne bovina. As questões na Figura 4.1 precisam ser respondidas com níveis adequados de precisão. Do contrário, torna-se praticamente impossível estabelecer a estratégia de utilização dos recursos genéticos mais adequada ao sistema de produção.




Figura 4.1. Aspectos importantes a serem considerados na escolha estratégica do sistema de utilização e dos recursos genéticos em bovinos de corte.
(Fonte: Adaptado de Cunningham, 1981).

Com base nos resultados obtidos no Brasil, concluiu-se que os animais cruzados foram, em média, 15% superiores aos de raças puras quanto às características de crescimento (pesos e ganhos de peso), mas tiveram maior consumo de matéria seca (12%) e as fêmeas apresentaram maior peso à maturidade (13%). A maior vantagem dos cruzamentos, para as condições brasileiras, parece estar na utilização de fêmeas cruzadas, que foram 20% mais eficientes do que as de raças zebuínas quanto à taxa de gestação. Estes resultados indicam que a resposta à primeira pergunta da Figura 4.1 é positiva, para a maioria das condições ambientais encontradas no Brasil.

Mas, quais raças exóticas são as mais adequadas para os diferentes sistemas de produção? A resposta é dependente dos resultados observados com a utilização de determinada raça exótica, seja como raça pura ou em cruzamentos, nas diferentes regiões edafoclimáticas do Brasil, dos resultados obtidos pelas instituições de Pesquisa e Desenvolvimento e, muitas vezes, dos "modismos" criados por estratégias de "marketing" bem sucedidas. Felizmente, há mais de mil raças de bovinos no mundo, das quais 250 têm número de animais suficiente para atender a demanda, isto é, a escolha estratégica da(s) raça(s) é possível, tanto para atender as necessidades do mercado quanto para compatibilizar as exigências dos animais com as condições ambientais.

Outra questão que ainda não foi respondida de maneira adequada é a percentagem desejável das raças exóticas na composição genética dos animais. Nos casos em que a superioridade das raças exóticas foi marcante, houve a substituição da raça local, como já ocorreu no Brasil no período de 1930 a 1960, quando as raças Caracu e Mocho Nacional foram substituídas pelas raças zebuínas, de maneira gradual, começando com Gir, Indubrasil e Guzerá e, mais tarde, terminando com Nelore. Atualmente, mais de 75% do rebanho bovino de corte é Nelore ou de alta mestiçagem de Nelore e outras raças zebuínas.

Esse processo de substituição das raças locais (Caracu e Mocho Nacional) foi devido, em grande parte, aos resultados obtidos na Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho, SP, no período de 1934 a 1942, no projeto de cruzamentos de touros de raças taurinas (Aberdeen Angus, Charolesa, Devon, Hereford, Limousin e Pardo-Suíço) e zebuínas (Gir, Guzerá e Nelore) com vacas das raças Caracu e Mocho Nacional. A taxa de mortalidade do nascimento aos três anos de idade foi muito maior nos animais cruzados de raças taurinas (47,1%) do que nos de raças zebuínas (18,8%). As recomendações técnicas foram a paralisação do projeto de cruzamentos e o estabelecimento de projetos de avaliação e seleção do Zebu para produção de carne. Essas recomendações tiveram grande impacto no processo de tomada de decisões dos produtores.

Ainda quanto à composição genética dos animais, tem sido geralmente aceito que a proporção ideal é 5/8 Bos taurus + 3/8 Bos indicus, mas isso não tem suporte na teoria da heterose residual. Acredita-se que a definição dessa proporção ideal tenha sido derivada de uma publicação em que se diz que a raça Santa Gertrudis é composta de aproximadamente 5/8 Shorthorn + 3/8 Brahman; com a supressão do termo grifado, parece que a proporção foi sendo difundida como a ideal. Evidentemente a proporção ideal varia de acordo com as condições ambientais e as exigências de mercado, mas pouco tem sido feito no Brasil para obter informações sobre o assunto.

Na seqüência das questões (Figura 4.1), vem a importância da heterose na eficiência líquida do sistema de produção. A resposta a esta questão ainda depende de projetos de pesquisa delineados para a obtenção de resultados sobre o sistema de produção como um todo.

As necessidades de pesquisa em sistemas de cruzamento foram levantadas por alguns autores, destacando-se a obtenção de estimativas dos efeitos aditivos e heteróticos, a avaliação econômica comparativa das estratégias de utilização dos recursos genéticos e a caracterização das raças e dos ambientes onde elas são criadas.

Finalmente, há a questão sobre a escolha estratégica entre a formação de novas raças e a utilização de sistemas de cruzamento. Se as respostas às duas últimas questões foram positivas, então a seleção nas populações produtoras de reprodutores assume papel fundamental na escolha estratégica dos recursos genéticos.

Para a intensificação dos sistemas de produção de bovinos de corte, a escolha estratégica do sistema de utilização (raça pura, nova raça, sistemas de cruzamento) e dos recursos genéticos (raças) deve ser feita com base nas respostas obtidas sobre algumas questões, como aquelas explicitadas na Figura 4.1. As opções estratégicas são a seleção de raças puras, a formação de novas raças e a utilização de sistemas de cruzamento entre raças. Deve ser lembrado, mais uma vez, que estas opções não são mutuamente exclusivas e, por isso, devem ser consideradas como complementares. Tanto a formação de novas raças quanto a utilização de sistemas de cruzamento dependem da seleção como meio para a obtenção de animais adaptados às condições ambientais e adequados às exigências do mercado de carne bovina.

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